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Blog do Luiz Sperry

Maconha é inofensiva? Estudos a relacionam com esquizofrenia

Luiz Sperry

06/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Não foi sem polêmica que surgiu um vídeo do Dr. Drauzio Varella sobre o uso de maconha e seus prejuízos. Na verdade é uma série de vídeos chamada Drauzio Dichava, em que ele faz uma série de entrevistas e considerações sobre aquilo que ele chama de uso adulto da maconha. Não demorou para surgirem entre os médicos e outros especialistas diversas desavenças a respeito, como era de se esperar. Como poucos assuntos, a maconha consegue despertar paixões contra e a favor.

Aproveito para fazer uma reverência ao Dr. Drauzio. Oncologista de formação, destacou-se já nos anos 1980, na epidemia de HIV/AIDS. Inicialmente no rádio, mostrou sua capacidade de comunicação na TV, jornal e agora na internet. Num ambiente eminentemente conservador e muitas vezes reacionário, que é o ambiente médico, defendeu corajosamente posições progressistas como o direito de aborto e a diversidade em geral. Não concordo com tudo que ele fala, mas minha admiração só cresceu através dos anos.

Voltando à questão da maconha, posso dizer que sou de uma geração que cresceu nos anos 1990 escutando o Planet Hemp cantar que "uma erva natural não pode te prejudicar". Isso obviamente não se sustenta. É público e notório que ervas naturais podem prejudicar ou mesmo matar. Uma quantidade enorme delas é venenosa e é exatamente por isso que a gente não sai por aí comendo ou fumando toda planta que vemos pela frente. Na verdade se a gente pensar bem, só consumimos uma fração bem pequena de todas as plantas que conhecemos.

Mesmo assim não é raro se escutar esse tipo de argumento hoje em dia. Parte do argumento contra a proibição tende a minimizar os efeitos nocivos da maconha. E parte dos argumentos a favor da proibição se apoiam justamente nos mesmos efeitos nocivos da maconha. E quais são esses efeitos?

Apesar de existirem alguns estudos que apontam um risco aumentado de doenças pulmonares e alguns tipos de câncer em quem fuma maconha, o mais importante é o risco de doenças mentais, em especial, esquizofrenia. E como podemos estabelecer essa relação? Bem, a relação entre as doenças só pode ser estabelecida através de estudos científicos, que podem ser realizados de algumas maneiras diferentes. Isso requer atenção a algumas questões técnicas e a outras questões éticas. Por exemplo, no caso da relação entre uso de Cannabis e esquizofrenia, talvez fosse interessante pegarmos dois grupos de adolescentes e darmos uma quantidade de maconha variável a apenas um desses grupos e fôssemos, ao longo dos anos, contabilizando os casos de doença mental e relacionando exatamente à quantidade e frequência desse uso. Seria talvez o melhor jeito de estabelecer uma relação de causa e efeito entre o hábito e a doença.

Mas obviamente está fora de questão, por motivos éticos, que uma pesquisa ofereça maconha para qualquer pessoa, ainda mais adolescentes. Então um outro jeito de se analisar é observar quem fuma e comparar com um grupo que não fuma e ver se tem diferença. Nesse segundo caso entram outros fatores, já que a pessoa vai fumar quantidades variáveis de tipos variáveis, pode misturar com outras drogas e eventualmente mentir ou esquecer. Ou seja, o controle do pesquisador é menor. O que não quer dizer que o estudo seja inválido.

Foi um estudo assim, publicado no final dos anos 1980, que chamou atenção dos pesquisadores. Realizado entre recrutas suecos, mais precisamente 45.570, o estudo mostrou que quem fumava maconha tinha uma chance aproximadamente 6 vezes maior de ter esquizofrenia do que quem não fumava. E já mostrava que quem fumava muito tinha uma chance maior do que quem fumava pouco.

Pois bem, fui atrás então de dados atuais, para ver se os dados são ainda válidos. Achei uma bela revisão de 2018 tratando do assunto. Esse estudo compara 23 estudos prévios e conclui que o risco de esquizofrenia entre usuários de maconha é o dobro de não usuários. Outros trabalhos recentes relacionam também fortemente a quantidade do uso e a incidência da doença. Ou seja, faz diferença sim fumar pouco ou fumar muito.

A partir daí entramos numa outra área. Uma substância deve ser proibida porque tem relação com dano ou doença? Porque AAS tem relação com úlcera, omeprazol e corticoides com osteoporose, benzodiazepínicos com Doença de Alzheimer, anti-inflamatórios com úlcera, anticoncepcionais com AVC, tabaco com câncer, paracetamol com hepatites tóxicas, álcool com cirrose e cardiopatias. Tudo isso legalizado.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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