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Blog do Luiz Sperry

Por que a psiquiatria não olha tanto para o combate ao tabagismo?

Luiz Sperry

29/04/2019 04h00

Crédito: Mari Casalecchi/Arte UOL VivaBem

Apesar do tabagismo ser em última instância uma dependência de substância psicoativa (nicotina), poucas vezes ele é encarado pela equipe de saúde mental como algo a ser combatido frontalmente. Em comparação aos cardiologistas e pneumologistas, estes sim na vanguarda do combate ao tabagismo, os psiquiatras poucas vezes se debruçam sobre a questão com afinco.

Quando eu era jovem, antes do governador José Serra instituir por aqui a lei que proibia que se fumasse em ambientes fechados, era comum que eu chegasse em casa empesteado com cheiro de cigarro. Meu pai torcia o nariz e lamentava o cheiro "de hospital psiquiátrico". Só fui entender a expressão alguns anos depois, quando de fato passei a frequentar hospitais psiquiátricos. A primeira coisa que me chamou a atenção na velha enfermaria psiquiátrica foi que havia um isqueiro preso a uma enorme corrente no balcão de enfermagem, e os pacientes fumavam continuamente.

Hoje os pacientes não fumam mais livremente, principalmente em locais fechados. Mesmo assim, continuam fumando durante as internações. E existe uma razão para isso. Apesar de reconhecer o tabagismo como algo evidentemente danoso, ele não pode ser abordado em qualquer momento do tratamento de uma doença mental. O tratamento da dependência de nicotina é bastante difícil e muito frustrante. As taxas de recaídas e desistências são enormes.

Soma-se a isso o fato de que se você interromper o consumo de nicotina o paciente provavelmente vai ter um período de aumento importante da ansiedade e piora do estado de humor. Se a pessoa já está com um problema de humor ou ansiedade você vai piorar sua condição de base e colocar todo o tratamento em cheque. Por isso é recomendável abordar o tabagismo somente quando os demais problemas psiquiátricos –como ansiedade, depressão, psicose ou mesmo dependência de outras substâncias estiverem razoavelmente controlados.

Por outro lado, o arsenal terapêutico para se tratar o fumante contumaz não é de todo estranho à nossa prática clínica. Antidepressivos tricíclicos, como amitriptilina e nortriptilina já eram usados antigamente, com resultados modestos. Mais recentemente a bupropiona, outro antidepressivo, tem ocupado papel de destaque. Principalmente se aliada a terapias de reposição de nicotina, geralmente adesivos ou chicletes, chegam a uma eficácia de até 35% em um ano, não é pouco.

Mas o melhor remédio continua sendo a vareniclina, que é uma substância que bloqueia os receptores cerebrais de nicotina. Sua taxa de sucesso não chega a 50% mesmo assim, além de ser bem mais caro que os outros tratamentos. Ou seja: não tem tratamento milagroso para parar de fumar. Mas é importante saber que se houver algum outro problema mental associado, a luta fica bem mais difícil.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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