Topo

Histórico

Categorias

Blog do Luiz Sperry

Remédios psiquiátricos podem engordar? Entenda como influenciam no peso

Luiz Sperry

08/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Tem vezes que não nos atentamos para pequenos detalhes da clínica cotidiana e ficamos presos a grandes questões. Tem um ditado meio besta que diz que tropeçamos em pedras, não em montanhas. E ficamos aqui pensando na gênese das questões psicopatológicas, em como as diversas áreas da saúde mental podem se integrar num sistema mais abrangente ou ainda se a psicopatologia seria algo externo ao Eu ou apenas uma questão quantitativa de algo que está presente em nós todos. Aí chega teu paciente na consulta, te olha sério e pergunta: – Doutor, esse remédio engorda?

E então a gente volta para o mundo real, onde as pessoas reais têm suas demandas reais (ou não). E essa questão de engordar ou não é dureza hoje em dia. A pessoa está mal, no fundo do poço, perdeu emprego, saúde e esperança. Mas ai de ti se lhe prescrever um remédio que engorda. Vai ouvir um monte e o paciente não vai tomar o remédio. E se quando o remédio é tomado direitinho o caminho já é tortuoso, sem tomar muitas vezes fica pior. Em última instância estamos falando de gordofobia, porque nesse dilema apresentado acima temos um silogismo que leva à conclusão: prefiro ficar doente e em última instância correr o risco de morrer, frente à possibilidade de engordar.

Pois bem, nessa hora a gente quer que a pessoa tome o remédio e melhore. Podemos responder, cinicamente, que o remédio não engorda mais que um grama por dia, que é o peso do comprimido. Não deixa de ser verdade, mas é uma meia verdade. Afinal, as medicações psiquiátricas engordam ou não?

Como acontece com toda pergunta mais ou menos complexa, a resposta é: depende. Em primeiro lugar é preciso saber que "remédios psiquiátricos" compreende diversas substâncias diferentes entre si e não se pode tratá-las como se fossem uma coisa só. Em segundo lugar é preciso saber que existem diferentes mecanismos de ação farmacológica que levam ao aumento de peso e esses fatores variam imensamente de pessoa para pessoa.

Pois bem, as medicações por si não engordam, claro, mas podem levar ao ganho de peso principalmente por três motivos. Elas podem diminuir o consumo metabólico em repouso. Ou seja, quando você está parado você passa a consumir menos energia que o usual. Você pode ter uma lentificação do trânsito intestinal, com aumento da absorção de nutrientes. E também pode levar a um aumento do consumo de calorias, num processo chamado de sugar craving, que em tradução livre significa fissura por açúcar.

Dentro de uma mesma classe de medicamentos os efeitos podem variar bastante. Entre os antidepressivos, sabemos que os antigos antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, estão relacionados a um ganho de peso importante, enquanto os novos antidepressivos seletivos, como fluoxetina ou venlafaxina não estão. Mesmo assim não é aconselhável o uso de fluoxetina com a intenção de perda de peso porque em geral os pacientes não perdem peso com fluoxetina (exceto talvez no primeiro mês e em geral recuperam adiante).

Entre os antipsicóticos acontece o contrário. As substâncias mais antigas, como haloperidol e clorpromazina não tinham impacto relevante no peso. Mas tinham efeitos bem mais graves, como os temidos sintomas extra-piramidais, que são basicamente alterações de movimento semelhantes à Doença de Parkinson. Foi então desenvolvida uma nova classe de antipsicóticos que consegue contornar esse problema mas…engorda. As medicações de ponta no tratamento da esquizofrenia hoje em dia, como clozapina e olanzapina são reconhecidamente associadas com grande ganho de peso e contornar isso no dia a dia é bastante desafiador.

Parte desses antipsicóticos mais modernos é utilizada ainda como estabilizadores de humor. Associado a isso o fato de outros estabilizadores de humor como lítio e valproato serem também medicações que podem engordar, temos novamente uma situação complicada no tratamento do Transtorno Bipolar e afins.

Pode reparar que tenho o cuidado de não ser muito categórico no que diz respeito a: "esse remédio engorda, aquele não". Isso se deve ao fato de que esses efeitos adversos serem extremamente variáveis de pessoa para pessoa. Quando dizemos que um remédio engorda significa que foram analisadas milhares de pessoas que tomaram a substância e elas, na média, apresentaram algum ganho de peso. Conheço gente que engorda um monte com fluoxetina ou escitalopram (outro antidepressivo que não leva a ganho de peso, em princípio) mas também o caso de um paciente querido com esquizofrenia que toma clozapina em dose máxima e não engordou um grama sequer. Voltou a estudar, se formou e está feliz da vida.

Não existe outro jeito de acertar que não tentando. Lembrando ainda que existem diversos métodos de tratamento dos transtornos mentais que não envolvem medicações. Podem usar à vontade, recomendo e faço muito gosto. Não engordam e em alguns casos até emagrecem. Voltemos então às grandes questões.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

Blog do Luiz Sperry