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Blog do Luiz Sperry

Spray nasal pra depressão pode viciar e têm mais benefícios em curto prazo

Universa

09/03/2019 04h00

Crédito: Divulgação

Parece que a grande notícia da semana na psiquiatria foi a aprovação do spray nasal de esquetamina nos EUA. O medicamento foi liberado pelo FDA, órgão mais ou menos equivalente à nossa ANVISA aqui. Como seu desenvolvimento envolveu um investimento enorme de recursos pela indústria farmacêutica, não poderia ser sem estardalhaço que ocorreria sua iminente chegada ao mercado.

A tal esquetamina é um isômero óptico da velha quetamina (grafada ainda como cetamina ou mesmo ketamina). Quando digo que é um isômero óptico quero dizer que essa substância, na sua forma pura, quando submetida a um feixe de luz polarizada desvia essa mesma luz para a direita. Mas para simplificar podemos dizer que é uma forma mais ou menos purificada da quetamina, que é uma substância anestésica bem conhecida desde os anos 70.

Na última década foi descoberto que aplicações de quetamina poderiam ter efeito antidepressivo quase que imediato. Isso é mais ou menos revolucionário, já que quem tem algum tipo de familiaridade com os sintomas da depressão sabe que um dos grandes dramas da doença é justamente o tempo de resposta da medicação. O paciente chega para você querendo se matar (muitas vezes literalmente) e você lhe dá um antidepressivo que só vai funcionar em… 3 semanas!!! Quem já teve depressão sabe que 3 horas podem parecer 3 meses, esperar 3 semanas então pode parecer com 3 encarnações a diante. Mas a gente conversa, explica, tenta ajudar do jeito que dá para a pessoa aguentar firme até o resultado bom chegar.

E aí nos deparamos com um outro problema. Apesar dos antidepressivos serem drogas bastante seguras e eficientes, existe uma parte dos pacientes, pelo menos ¼ deles, que não tem uma boa resposta com a medicação. São os pacientes resistentes. Foi especificamente nesses pacientes que o spray nasal foi melhor pesquisado. E em geral junto com o antidepressivo que o paciente já utilizava. Os resultados foram bastante favoráveis.

Por outro lado, sempre que há um oba-oba é fundamental que se faça um contraponto crítico. Por exemplo, a quetamina, que já é utilizada tanto nos EUA como no Brasil na sua forma injetável, é um poderoso anestésico de ação central, ou seja, só pode ser administrada em ambiente hospitalar com o paciente sob monitoração. A forma nasal foi desenvolvida justamente para minimizar esses riscos, mas mesmo assim se recomenda que o paciente fique sob observação por ao menos duas horas (o uso inicial deve ser de 3 aplicações por semana). Outra coisa a se salientar é que a quetamina é potencial droga de abuso e pode levar à dependência. Há alguns anos a amineptina, um antidepressivo, foi retirado do mercado exatamente por esse problema. Uma terceira questão é que, apesar de ser bastante eficiente no curto prazo, em estudos mais longos a esquetamina nasal não foi superior ao placebo. Valeria a pena pagar uma pequena fortuna (sim, vai custar caro) para um benefício tão efêmero?

Bem, para conseguirmos essas respostas vamos ter que aguardar novos dados e pesquisas mais robustas. A minha impressão é que está longe ser uma revolução no tratamento da depressão. Mas talvez sirva como um reboque naqueles tratamentos que atolaram. Ou como um turbo, nos casos graves que não podem esperar. Para quem tem dinheiro, infelizmente.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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