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Blog do Luiz Sperry

Psicofobia: a psiquiatria tem um papel no estigma dado às doenças mentais

Luiz Sperry

19/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Podemos dizer que os assuntos que permeiam as questões de saúde mental tem estado bastante em evidência. Tanto na vida, em que o número de pessoas com diagnósticos psiquiátricos e em uso de medicação não para de crescer, quanto nas mídias, em que suas representações são cada vez mais presentes. Por mais que possamos enxergar avanços, ainda existe uma grande resistência ao assunto.

O termo psicofobia designa o estigma em relação aos portadores de doenças mentais. O termo é mais ou menos novo, mas o assunto é muito antigo. A doença mental passou por um longo percurso para ser incluída no campo das ciências médicas. Historicamente, passou muito mais tempo sob a tutela do saber religioso e demonologistas. É coisa de 200 anos pra cá que passou a ser objeto de estudo médico científico.

Obviamente, os outros séculos todos de predomínio do ocultismo não passaram impunes. Se antes a loucura, no sentido amplo do termo, era coisa do diabo, hoje em dia certamente não é coisa de Deus. Mesmo após a sua apropriação pela medicina e pela psiquiatria, a doença mental passou grande parte desses últimos séculos em um regime de segregação. Foi com o advento da migração da população rural para os centros urbanos que começaram a surgir os manicômios. A psiquiatria acabou por trilhar um caminho onde muitas vezes teve que escolher se ficava ao lado do Estado ou ao lado do doente. E escolheu, quase sempre o lado do Estado.

Por isso a psiquiatria foi, durante quase toda sua história, uma especialidade hospitalar. Foi somente nas últimas décadas que passou a ser uma especialidade ambulatorial. Mas não é por isso que deixou necessariamente de ter uma posição política. A pergunta que se faz é: o tratamento medicamentoso que se faz hoje tem como benefício melhorar de fato a vida das pessoas ou mantê-las funcionais e produtivas para benefício do sistema?

Coloco tudo isso para podermos voltar à questão da psicofobia. Hoje existe um discurso dentro da psiquiatria de que as pessoas não podem ser estigmatizadas por conta de suas condições mentais, devendo ser tratadas com dignidade sempre. Não há crítica possível a isso. Por outro lado é preciso ver o papel que a psiquiatria e os serviços de saúde se reservam nesse processo. Quando vemos uma ação pública como a que houve no ano passado na Cracolândia de São Paulo, onde psiquiatras se aliaram à prefeitura para internar os dependentes químicos de maneira indiscriminada, voltamos a uma situação de décadas, séculos atrás. Em vez de ajudar as pessoas, nos comportamos como lacaios de uma política higienista fracassada. Precisamos decidir de que lado estaremos.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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