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Blog do Luiz Sperry

O que a maconha pode fazer pela sua saúde?

Luiz Sperry

29/10/2018 04h00

Crédito: iStock

No meio desse furacão eleitoral, onde tudo o mais foi esquecido, passou quase despercebido o 1o Cannx Brasil- Congresso Internacional de Medicina Canabinoide, que vai acontecer em São Paulo de 12 a 14 de novembro. A medicina canabinoide é um ramo da medicina que se dedica não só a pesquisar os efeitos e benefícios medicinais dos derivados da maconha, como também se propõe a discutir maneiras de se implementar o uso dessas substâncias, tendo em vista a política restritiva resultante da guerra às drogas.

Isso só faz sentido porque existem no nosso organismo diversos receptores em praticamente todos os órgãos para esses tipos de substâncias. De modo que elas tenham efeitos sobre o funcionamento de diversos sistemas e evidentemente, diversas doenças. É por isso que existe a medicina canabinoide, mas não a eucaliptoide ou a rosoide.

O Brasil não está exatamente na vanguarda do movimento. Apesar de gente de qualidade trabalhando no assunto, o uso de canabinoides ainda está longe de estar regularizado. Alguns subprodutos começaram a ser fabricados e alguns pacientes conseguem importar substâncias com o uso de liminares judiciais. A ANVISA -Agência Nacional de Vigilância Sanitária- já emitiu parecer favorável ao uso dessas substâncias, mas até que haja uma legislação clara sobre o assunto não haverá investimento expressivo.

O uso de canabinoides no tratamento de diversas doenças tem sido demonstrado nas últimas décadas. O uso em dores crônicas, náusea ou perda de peso já são bem estabelecidos e inclusive praticados em diversas clínicas onde seu uso já foi regulamentado. Inclusive fazem parte quase do que seria uma decorrência dos efeitos recreativos da droga. Outros usos clínicos não são tão óbvios, como o efeito anticonvulsivante, anti-inflamatório ou mesmo antipeoliferativo no combate ao câncer, em especial o câncer de mama.

Na parte que me é mais interessante, aquela que diz respeito às doenças mentais,  existem avanços consideráveis. Por ter diversos componentes psicoativos, tem sido bastante promissora desde casos mais corriqueiros, como ansiedade e depressão, como até em casos mais desafiadores, como a Síndrome de Tourrette ou o autismo. O canabidiol, provavelmente a mais estudada entre essas substâncias, parece fazer efeito contrário ao THC, a substância da maconha que deixa doidão. Tanto que um estudo muito elegante observou que pacientes que fumavam maconha com maiores teores de canabidiol (e teores semelhantes de THC) tinham um risco menor de sintomas psicóticos.

Nem tudo é alegria também. Em 2006 foi lançado com estardalhaço no Brasil o rimonabanto, sob a alcunha de Acomplia, que não é derivado da maconha mas age justamente em receptores de canabinóides. A promessa era ser a medicação definitiva no tratamento da obesidade, mas pouco tempo depois foi retirado do mercado, por causar um risco bastante aumentado de depressão suicida. Nem tudo são flores na medicina canábica.

A gente pensa então, porque não tem isso aqui? Como na maior parte das ciências (assim como em quase tudo, inclusive futebol e música popular), nos tornamos cada dia mais desimportantes. O investimento em pesquisa quase desapareceu nos últimos anos. A legislação é absolutamente desencorajadora. O país que produziu Miguel Nicolelis, ruma a tornar-se uma espécie de Afeganistão evangélico, onde as crendices de seitas tem mais força do que as luzes da ciência.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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