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Blog do Luiz Sperry

Quando a saúde mental diminui a culpa em um crime?

Luiz Sperry

17/09/2018 04h00

Crédito: iStock

Por conta do atentado que sofreu o candidato Jair Bolsonaro, muito se falou nessa semana sobre a condição mental do acusado, Adélio Bispo de Oliveira. Num primeiro momento, Adélio disse que "quem mandou foi Deus". Seria ele louco? Estaria cumprindo ordens divinas? E, no caso de ter de fato algum problema de ordem mental, podemos então considerá-lo culpado?

Essa questão da chamada "imputabilidade" é central na Psiquiatria Forense. Mas o que seria a imputabilidade? É uma figura jurídica que relaciona o estado mental do agente de um crime à sua culpabilidade. Não só no sentido estritamente psiquiátrico, mas também cultural. Um bom exemplo de inimputabilidade cultural é o dos povos indígenas. Um membro de uma tribo indígena isolada, não pode ser culpabilizado da mesma maneira que um não indígena.

Mas no que tange a questão psiquiátrica, qual tipo de alteração torna a pessoa inimputável? O senso comum diz que aquele que é mentalmente insano é inimputável. Não são poucas as vezes nas quais os meus pacientes –e eu não sou um psiquiatra forense — dizem que vão cometer as mais variadas barbaridades e eu "vou ter que lhes dar um atestado de insanidade".

Os principais aspectos são dois: consciência e intenção. Por consciência quero dizer se o criminoso sabia, naquele momento, que seus atos eram considerados ilegais pela lei vigente. Uma pessoa num estado paranoide grave, por exemplo,  pode alegar que agrediu ou matou alguém em legítima defesa, que é uma condição de fato prevista por lei.

Já por intenção, quero dizer propósito mesmo. Por exemplo no caso de um delírio onde a pessoa acredite firmemente que um tal remédio seja milagroso e vá curar o pai acamado, e acabe por lhe dar tanto desse remédio que o pobre coitado acaba por ir a óbito. Seria outro caso de possível inimputabilidade por insanidade.

Essas questões nos levam a uma outra questão de ordem ética. Pela constituição todos são iguais perante a lei, menos os inimputáveis. Num momento de furor punitivo como o que nós vivemos, isso pode levar a algumas distorções. Pego como exemplo outro caso célebre, do criminoso conhecido como Champinha. Em 2003 ele, então com 16 anos,  foi responsabilizado, junto com outros cúmplices, pelos crimes de homicídio e estupro contra um casal de adolescentes. Foi feita uma perícia médico-legal e constatou-se que ele tinha um transtorno de personalidade antissocial e um retardo mental leve. Por ser menor de idade, foi condenado então a parcos 3 anos de prisão. Porém, ao ser constatada a periculosidade do sujeito em decorrência de sua doença mental, está decidido que ele só pode deixar a unidade de internação quando for feita nova perícia que determine que ele não oferece mais risco à sociedade. Até hoje não ocorreu, talvez nunca ocorra.

Ou seja, essas questões são bastante complexas, ainda mais por dependerem de um exame do estado mental que é, acima de tudo, bastante subjetivo. Mas as definições são razoavelmente claras e, certamente, são tipos de doença mental bastante específicos que incidem em inimputabilidade.

Em tempo: quando me solicitam laudos de insanidade para cometer delitos, não dou. E sugiro fortemente que não cometam os tais atos.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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