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Blog do Luiz Sperry

Por que cada vez mais crianças estão indo ao psiquiatra? Entenda

Luiz Sperry

10/09/2018 04h00

Crédito: iStock

Temos observado um crescente número de crianças procurando os serviços de psiquiatria recentemente. As crianças estão ficando mais doentes? As famílias estão mais desestruturadas? Ou estaríamos apenas mais atentos para sinais que anteriormente deixávamos passar por falta de cuidado?

A vida das crianças não é fácil hoje em dia. Passam a maior parte do tempo afastadas dos pais, escolas em período integral são cada vez mais regra do que exceção. A quantidade de estímulos proveniente de gadgets como celulares e tablets é imensa. O conteúdo desses dispositivos é, no mínimo, duvidoso. A pressão por performance cada vez maior.

O que muda no atendimento às crianças?

O atendimento de uma criança sempre tem suas peculiaridades. Para começar, é um atendimento de família, criança nunca vem sozinha. E o funcionamento da criança é sempre intimamente relacionado ao que acontece no ambiente familiar. É preciso ter cuidado e paciência para se conseguir sobrepor às diferentes narrativas.

A avaliação da criança também exige uma técnica especial, já que, de modo diferente do adulto, a criança tem uma certa dificuldade de expressar suas emoções com clareza. E ainda há a própria peculiaridade da psicopatologia infantil, onde os sintomas muitas vezes são difíceis de se diferenciar de uma síndrome para outra.

Por que as crianças vão ao psiquiatra?

Em geral as queixas se dividem entre os casos pré-escolares, mais raros, e os escolares. Os pré-escolares, mais precoces, tendem a ser mais graves. Consistem em geral em déficits de desenvolvimento intelectual ou autismo. Ambos podem apresentar dificuldade de linguagem e muitas vezes podem ser confundidos, mas apresentam também algumas diferenças marcantes.

os quadros que acometem crianças em idade escolar são mais semelhantes aos que acometem os adultos. De uma maneira geral, transtornos de ansiedade, transtornos do humor e, claro, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Os transtornos de ansiedade mais comuns são o transtorno de ansiedade de separação (quando há uma angústia intensa da criança ao se afastar dos pais), o transtorno de ansiedade generalizada (semelhante ao quadro dos adultos) e as fobias específicas (que são medos intensos e irracionais de coisas ou situações inofensivas, como do escuro, por exemplo).

Já os quadros de humor, como a depressão na infância, são de diagnóstico mais difícil. Diferentemente dos adultos, onde a depressão se caracteriza entre outras coisas por uma tristeza marcante e por um afastamento melancólico das coisas da vida, na criança os sintomas não são muito diferentes dos quadros de ansiedade. Uma certa irritabilidade, isolamento social e da família, mau desempenho pedagógico são sintomas clássicos.

Outro transtorno do humor que vem ganhando importância é o transtorno bipolar na infância. Antigamente era impensável se pensar em transtorno bipolar na infância, era uma doença que aparecia a partir da adolescência. Hoje é possível se fazer diagnósticos bem mais precoces com resultados muito mais efetivos. Importante dizer que o transtorno bipolar nessa idade se confunde muito com o TDAH.

Aliás, o TDAH continua sendo a principal síndrome da psiquiatria na infância. A tríade déficit de atenção, hiperatividade e impulsividade ainda é bastante controversa. Seu diagnóstico e tratamento ainda estão sujeitos a fortes críticas. E nota-se que é um diagnóstico de exclusão. Das doenças citadas anteriormente, os quadros de ansiedade e depressão podem ser facilmente confundidos com TDAH; transtorno bipolar então, nem se fala. Em adolescentes ainda há o uso de substâncias como fator de confusão. O problema é que se você não souber fazer o diagnóstico diferencial de todos esses quadros capciosos é muito fácil engolir uma bola e fazer um diagnóstico errado de TDAH.

Por que cada vez mais crianças estão indo ao psiquiatra?

Pois bem, respondendo às perguntas que fiz a mim mesmo lá em cima creio que sim, tem diagnósticos a mais, tem diagnósticos demais, mas de fato há um cuidado maior em relação às crianças. Mas, de uma maneira ou de outra, tudo começa com a maneira com que a família se estrutura. Pensem nisso com cuidado.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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