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Blog do Luiz Sperry

A esquizofrenia perdeu importância, mas não sumiu

Luiz Sperry

28/05/2018 04h00

Crédito: iStock

A esquizofrenia foi, durante o último século, a mais emblemática das psicoses. Era talvez a grande doença mental do século XX, o grande mal a ser combatido. Não foi por acaso que a primeira medicação psiquiátrica que surgiu no mundo, a clorpromazina, tenha sido um antipsicótico. A figura do esquizofrênico como protótipo do paciente psiquiátrico se consolidou e, em parte, persiste até hoje.

No século XXI posso afirmar com um nível razoável de certeza que a esquizofrenia está em baixa. Em primeiro lugar porque, de fato, percebemos que grande parte daquilo que chamávamos de esquizofrenia hoje em dia é classificado e tratado como outros tipos de psicose, tendo inclusive resultados muito melhores. Em segundo lugar porque a Grande Epidemia de Transtornos do Humor que assola o mundo mudou o eixo da abordagem psiquiátrica para a questão do humor, e não do pensamento, que é a questão central das psicoses.

O que é a esquizofrenia, então? É uma doença mental, bem estabelecida, mas rara. Sua prevalência na população é algo da ordem de 1%. Se considerarmos que o transtorno bipolar acomete 5% da população, e a depressão, ao longo da vida, pelo menos 20%, 1% não é quase nada. Acomete geralmente adolescentes e adultos jovens.

Apesar de rara, a esquizofrenia é uma doença grave. Ela tem duas características principais: as crises e as sequelas. As crises, em geral, são intensas e exuberantes, com delírios, geralmente persecutórios, pensamentos desorganizados, alucinações, muita agitação e angústia. Quando as crises cessam, e isso pode levar dias ou meses, podemos perceber as sequelas, chamadas também de defeitos ou sintomas negativos. A pessoa que antes trabalhava e saía acaba ficando mais retraída e apática. Onde antes havia a curiosidade, prevalece o desinteresse. As capacidades intelectuais vão ficando mais restritas.

É bem sabido que a cada crise os sintomas negativos vão se somando, ou seja, a cada crise psicótica, o paciente volta pior. É por isso que costuma-se dizer que o esquizofrênico evolui "em escada"–uma escada descendente. E é por isso que talvez a coisa mais importante no tratamento seja uma abordagem precoce e agressiva, no sentido de se impedir as recaídas e, consequentemente, as sequelas. Lembremos que antigamente, quando não havia medicação antipsicótica, a esquizofrenia era chamada de demência precoce (para se diferenciar das outras demências que, como se sabe, são frequentes em idosos).

Hoje em dia as medicações antipsicóticas conseguem controlar parte dos sintomas. São relativamente eficazes no controle das crises, mas ainda deixam muito a desejar no que se refere aos tais sintomas negativos. A eletroconvulsoterapia (ECT, vulgo eletrochoque), tem sido mais uma vez importante em alguns casos graves. Mais uma vez, estamos longe de um tratamento satisfatório.

E infelizmente, apesar de termos alguns exemplos de esquizofrênicos brilhantes, como John Nash Jr (vencedor do prêmio Nobel, cuja vida foi retratada no filme Uma Mente Brilhante), em geral a doença é muito prejudicial e incapacitante. Não há muito glamour na doença mental, como em geral pode ser retratado no cinema.

Mas a esquizofrenia está aí, potencializada pelo uso pesado de drogas, que só aumenta. Sabemos muito mais do que sabíamos décadas atrás. Pena que muitas vezes não seja suficiente.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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