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Blog do Luiz Sperry

Bipolar não é seu amigo que muda de opinião, mas quem tem uma doença grave

Luiz Sperry

04/12/2017 12h02

Crédito: iStock

Certamente a depressão é a doença psiquiátrica mais falada e importante da contemporaneidade. Mas, entre os psiquiatras, talvez o quadro mais discutido e estudado seja o que chamamos de transtorno bipolar. Se por um lado a depressão já extrapolou os limites da psiquiatria, o transtorno bipolar permanece sendo enigmático e temido.

Por um lado, existe sem dúvida um certo modismo, como em todas as disciplinas médicas e clínicas. Especialistas em determinada doença tendem a inflar a importância das suas áreas de especialidade, geralmente com uma finalidade meramente econômica. Aconteceu, recentemente, com o autismo e a Síndrome de Asperger, tem acontecido também com o transtorno bipolar.

Mas bipolar não é, definitivamente, aquele seu amigo que muda de opinião várias vezes ao longo do dia.  Nem pessoas que tem variação de humor por qualquer motivo ("Ah, cada hora ela está de um jeito"). Essa é uma doença grave e que está por aí há séculos –os gregos e os romanos já escreviam sobre o assunto. Já recebeu diversos nomes, sendo o mais emblemático "doença maníaca-depressiva". Em geral, as pessoas não compreendem bem a expressão "maníaca", relacionando a algum tipo de perversão como no caso do "Maníaco do Parque" e afins.

Não tem nada a ver. Mania é o termo técnico que define um estado que é mais ou menos o contrário da depressão. Ou seja, se na depressão as pessoas ficam tristes, prostradas, desprovidas mesmo dos desejos mais simples, na mania é o contrário. Muita energia, muita atividade, muita produtividade. É um pouco do que a gente chama popularmente de "ligado no 220". E a gente sabe que, se ligarmos um aparelho no 220, ele pode queimar.

Claro que queima aqui é uma metáfora. Mas as manias são muitas vezes mais terríveis que as depressões. Não é raro o paciente em crise apresentar psicoses graves, delírios grandiosos e alucinações. E para ficar mais complicado tem um caráter familiar bastante forte; não é raro ter um bipolar tendo que cuidar de outro. Ou dois em crise ao mesmo tempo na mesma família.

Ninguém me tira da cabeça que os grandes navegadores eram bipolares. Imagina só: todo mundo na sua época tinha medo de monstros marinhos e tudo relacionado ao mar era envolto de grande mistério. Aí alguém dá a ideia de entupir de gente um barco de 10 ou 15 metros e seguir navegando para ver onde dá. E enche de gente falando: "Vamos nessa!". Parece brincadeira, mas em geral os estados maníaco-depressivos estão associados a um certo brilhantismo e genialidade. E de fato até há, o que não quer dizer que não seja uma doença grave e, muitas vezes, fatal.

Sem dúvida, o grande desafio do médico é diferenciar uma depressão de um quadro de transtorno bipolar. Um paciente bipolar tratado erroneamente como depressão pode piorar, eventualmente levando a desfechos suicidas. Por outro lado, o tratamento tem melhorado bastante nas últimas décadas. Tratando direito desde o começo, a vida melhora muito, inclusive porque as crises tendem a vir cada vez mais fortes.

Mas também é uma das doenças com maior taxa de abandono de tratamento que,  até onde sabemos, é para o resto da vida. Terapia, medicação, dietas, exercícios, tudo isso pode ser muito cansativo e desgastante, geralmente é. Mas ficar doente com certeza é muito pior.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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