Topo

Histórico

Categorias

Blog do Luiz Sperry

A dor pode ser um sintoma de depressão

Luiz Sperry

10/11/2017 04h00

Foto: Getty Images

"Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?". Se existe algo de bom para se falar dos anos 80 são as campanhas publicitárias. Tanto que a gente lembra até hoje. E essa frase em especial é bastante útil quando nos vemos frente a impossibilidade de estabelecer a relação de causa e consequência entre dois fenômenos.

Em geral as pessoas não prestam muita atenção, mas uma parte imensa das doenças mentais está associada a algum problema físico. Entramos aí no "Teorema de Tostines": ficamos doentes da cabeça porque temos o corpo doente ou doentes do corpo porque a cabeça vai mal?

Tomemos a depressão, por exemplo. Mais de 60% dos pacientes com depressão tem dor em algum lugar do corpo. Em geral as pessoas associam depressão com tristeza e sofrimento mental, quase nunca com dor. Mas essa associação existe. E sabemos também que, quando a depressão é tratada, a maior parte dessas dores desaparece.

Agora, olhemos o outro lado da moeda. Existe uma doença chamada fibromialgia, da qual você já deve ter ouvido falar. Nunca? Bem, fibromialgia é uma doença onde dói o corpo todo, e dói muito. E é uma doença crônica, ou seja, ela se arrasta ao longo da vida. Se você procurar com cuidado, vai perceber que dos pacientes com fibromialgia, um número grande tem sintomas de depressão, próximo dos famigerados 60%. E se você tratar a dor, novamente uma grande parcela desses pacientes vai melhorar também da depressão.

Não quero creditar poderes metafísicos ao número sessenta, mas mostrar que, na maior parte das vezes, os pacientes com dor têm depressão e vice-versa. Com o estilo de medicina que se pratica hoje, especializada e fragmentada, é provável que você procure um ortopedista para tratar a dor e um psiquiatra para tratar a depressão e um não perceba o problema do outro, que muitas vezes podem estar ligados. Pior para o paciente, que vai tomar mais remédios, muitas vezes incorretos, e vai continuar sofrendo.

Não é exatamente novidade o que estou falando aqui. Intuitivamente a gente sabe que em condições de angústia e estresse a gente sente no corpo. E nem precisa ficar doente para isso.

Sintomas físicos aparecem em condições corriqueiras do dia a dia. É uma reação mais ou menos comum sentir um frio na barriga, tremores e sudorese antes de um evento importante. Ou perder o sono quando temos problemas demais para resolver no dia seguinte. Mas se alguém chega ao Pronto-Socorro tremendo, com falta de ar e palpitação, em geral não acredita quando o médico diagnostica crise de pânico.  E marca com o cardiologista, que vai fazer mais um monte de exames (de novo) e dizer que é…crise de pânico. Para finalmente o paciente chegar no psiquiatra, contrariado, com um bico do tamanho do mundo, depois de tantas idas e vindas.

Basicamente, uma marca do preconceito. Apesar de um monte de gente passar no psiquiatra hoje em dia e tomar medicações psicoativas, muitas vezes quem mais precisa não passa. E um tratamento que poderia, eventualmente,  ser breve, pode se prolongar por anos a fio. Porque (parafraseando outro slogan genial dos anos 80) a depressão é um grande problema. Ninguém pode negar.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

Blog do Luiz Sperry