Topo

Histórico

Categorias

Blog do Luiz Sperry

Desespero para a sexta-feira chegar? O trabalho pode deixar você doente

Luiz Sperry

26/10/2017 04h00

Imagem: Getty Images

O Alemão, mecânico habilidoso da Mooca, sentencia com o sotaque peculiar do bairro paulistano:

— Vai trabalhar que 90 % dos problema é tudo falta de dinheiro (sic).

Talvez ele esteja certo. Falta de dinheiro é um problema imenso para a maioria das pessoas. Não sei se 90% seria um dado científico. Provavelmente, não. Isso faz parte do que se chama senso comum. Mas talvez o que angustie mais as pessoas hoje, pelo menos as que têm emprego,  seja o trabalho.

Falo pela minha experiência clínica. Grande parte das pessoas que eu atendo estão doentes por causa do trabalho. São professores que não conseguem mais botar o pé na sala de aula, aterrorizados por alunos e pais. Operadores de teleatendimento, que são pagos para ser ofendidos em nome de uma empresa. Profissionais de saúde, submetidos a escalas desumanas de plantão. Jornalistas tragados pela loucura dos fechamentos. Taxistas pressionados pela Uber e afins. Funcionários públicos reféns das políticas públicas em suas respectivas áreas.

Em geral, o grande medo do trabalhador é perder o emprego. Aí ele cai naquele naquele problema que o Alemão citou lá em cima, a tal falta de dinheiro. Para não ficar sem dinheiro, ele se apega no emprego, a qualquer custo. Vai engolindo, então,  sapo em cima de sapo. Só que nossa capacidade de engolir sapos é limitada. Isso varia de pessoa para pessoa, mas uma hora a conta chega. Não consegue dormir direito, se dorme sonha com o trabalho, acha que vai perder a hora e acorda. Duas da manhã. Cochila até três, quatro e quinze, cinco e meia. Acorda. Já é hora de levantar.

Logo vai estar padecendo no metrô lotado ou no trânsito modorrento. Horas para ir, horas para voltar. Com alguma coisa horrorosa no meio,como metas inalcançáveis,  diretores sádicos, cortes de ponto e por aí vai. Uma hora o cidadão não aguenta e vem o colapso.

Geralmente é nessa hora a pessoa chega no meu consultório. É provável que  já tenha sido afastada do trabalho por algumas semanas, e se é devidamente registrada, está cogitando pedir auxílio-doença, vulgo "entrar na Caixa". O que significa que vai passar por uma perícia, onde muitas vezes é maltratada e não tem garantia nenhuma de receber o tal auxílio. A situação se agrava e, no final, a pessoa está sem receber e sem trabalhar, presa a um emprego que odeia e, ainda por cima,  sem renda. O pesadelo que costumo chamar de "limbo".

A primeira demanda que escuto em geral é sobre um possível medicamento, que colocaria fim em todas essas mazelas. Como se elas fossem se resolver com remédio. Quantos comprimidos de antidepressivo uma pessoa teria que tomar para suportar usuários de telefone celular revoltados vomitando sua frustração com a operadora, todos os dias? Que substância faria alguém atravessar a cidade, de Pirituba a Santo André, todo dia, impunemente? Mas sem dúvida as medicações conseguem dar um pouco de energia para quem está no fundo do poço. Em muitos casos permitem que se tire a cabeça pra fora d'água e respirar um pouco. Terapia também, mas já é mais um custo.

A notícia boa é que o colapso não acontece de uma hora para outra. É como um automóvel. O motor  em geral não explode do nada. Escutamos um barulho diferente, acende uma luz no painel, ou mesmo várias delas. Com a gente é parecido. Problemas no sono, exaustão, queda de rendimento, excesso de álcool ou de comida podem ser sinais de que as coisas não vão bem. Assim como uma angústia exagerada no domingo à noite ou uma euforia desmedida na sexta-feira. Em geral as pessoas tendem a forçar a barra e seguir em frente. Essa é a hora de procurar ajuda. Agora, se o problema for de motor, melhor um mecânico mesmo. Sugiro o Nilton, vulgo Alemão. Fica na Mooca, Rua Ana Neri, 343.

 

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

Blog do Luiz Sperry