Conhece o rei do Instagram? Perfil mostra a crise da masculinidade
Luiz Sperry
06/07/2020 04h00
Crédito: Reprodução / Instagram @danbilzerian
Nessa semana fui apresentado a um novo fenômeno da internet: Dan Bilzerian, o rei do Instagram. Ele não é propriamente novo, mas eu nunca tinha ouvido falar. Só descobri quem era porque parece que houve uma revolta de internautas brasileiros contra sua majestade, por motivo de misoginia e comportamento abusivo. Eles queriam "cancelar" o Bilzerian. Óbvio que não deu em nada, mas, por que essa pessoa faz tanto sucesso?
Bem, ele nasceu na Flórida, tem 39 anos e é muito rico, herdou uma fortuna do pai, Paul Bilzerian. Tentou ser militar mas por algum motivo não deu certo. Teve dois ataques cardíacos antes dos 32 anos, provavelmente em decorrência do uso de drogas. Tentou ser ator, mas nunca passou de pontas em filmes de menor expressão. Então, aproveitou a segunda chance que a vida nos dá, que é a internet, e virou um influenciador digital.
Ele tem mais de 30 milhões de seguidores, o que é meio que bastante sob qualquer ponto de vista. Assim como sua contraparte feminina, Kim Kardashian, não demonstra nenhuma habilidade especial dessas que fazem as pessoas famosas: não canta, não dança, não é especialmente bonito, nem tão rico a ponto de justificar esse sucesso todo. A graça de Bilzerian reside no tipo de conteúdo que ele posta na internet.
Suas fotos quase sempre o mostram cercado de mulheres de biquíni (ou menos que isso) em situações de ostentação. Ele no iate, ele na mansão, ele na jacuzzi. Sempre com várias mulheres em volta. Eventualmente há fotos com homens também, como lutadores de boxe ou MMA ou celebridades de verdade. Nessas fotos ele aparece muitas vezes malhando ou vestido em uniforme militar desses de camuflagem, ostentando grandes armas tipo rifles ou metralhadoras. Parece uma mistura improvável do Ken da Barbie com um Comando em Ação.
A gente não precisa de muito esforço para perceber que uma enorme parte dos seus seguidores é homem e acha muito legal essa vida de mansões, gostosas, drogas e cosplay de Comandos em Ação. É aí que entra a crise do homem heterossexual contemporâneo. Se a gente pensar bem, antes tudo era dele. Não só as armas, as gostosas ou os bonecos, mas também as artes, os esportes, a vida pública. Mulheres e afeminados, fora! A partir de certo momento, as mulheres começaram a ocupar esses espaços e os homens foram recuando. Incapazes de dividir o protagonismo, foram se refugiando em espaços cada vez mais remotos como o churrasco e o futebol. Em alguns espaços, como os meio artísticos, já são franca minoria.
Descobriram agora esses nichos de internet, onde podem destilar o seu ressentimento pela relevância perdida. Dan Bilzerian é apenas a face mais suave e cafona desse espaço de desfrute da masculinidade moderna. E antes que alguém proteste, sim, ele trata as mulheres como objetos, que estão ali para entretê-lo, porque ele é rico e está pagando por tudo, como um grande proxeneta. A mensagem é: "Como eu sou um tiozinho rico, essas mulheres vão fazer tudo o que eu quiser".
Ou seja, o ideal masculino de hoje em dia passa pela ideia de ser rico, de submeter as mulheres e de fazer a guerra. Nem que seja essa guerrinha de brincadeira na internet, e melhor que seja assim, diga-se de passagem.
Não deixa de ser sintomático que a internet tenha se tornado o refúgio de outro tipo de homem que também detesta as mulheres como Bilzerian. Incapazes de encontrar seu lugar no mundo, assim como o amor nas mulheres, os chamados incels (celibatários involuntários) transformam sua frustração em ódio. Foram eles os mais ardorosos defensores de Bilzerian por conta dos ataques que sofreu essa semana. Afinal, as mulheres também estão ali porque querem e ganham com isso, certo? Até é verdade, mas isso não torna o Rei do Instagram menos idiota. Duvida? Só olhar esse vídeo no qual ele dá um chute na cara de uma mulher numa balada.
Claro que Dan Bilzerian é uma excrescência, uma aberração. Mas ele não deixa de ser uma compilação dos valores que são cultuados pelos homens heterossexuais hoje em dia. Essa cultura de armas e machismo opressão está aí, não só no Instagram do rei, mas no rap, no funk e para onde você conseguir enxergar um homem, pode reparar.
Sobre o autor
Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.
Sobre o blog
Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.