Como se formam as personalidades --assim como os seus transtornos
Luiz Sperry
26/02/2018 04h10
Quando a gente pensa em pânico, depressão ou esquizofrenia, pensamos em doenças que as pessoas adquirem. O sujeito está lá levando sua vida e, de repente, não mais que de repente, o tempo fecha e ele adoece. No entanto, nem todas as doenças mentais são por assim dizer, adquiridas. Às vezes, a gente não tem um problema. Às vezes, nós somos o problema.
É o que a gente chama na clínica de Transtorno de Personalidade. É um terreno complicado e espinhoso, já que a própria definição de personalidade é algo bastante complicado. Podemos imaginar que personalidade é um conjunto de características individuais que levam o sujeito a reagir de determinada maneira em contato com o mundo. Por exemplo, tem gente que é medrosa, tem gente corajosa, tem gente impaciente, tem gente curiosa. Tem gente espiritualizada e gente espírito-de-porco.
Gente que curte desafios e gente que curte segurança. Gente que é amável e gente que é chata, muito. E por aí vai. E ainda por cima essas característica podem se combinar de incontáveis maneiras, de modo que as personalidades acabam por ser características únicas. Como se fossem impressões digitais.
Mas o que se percebe é que tem alguns tipos de características que são mais comuns que outras. E que certos tipos de características, quando aparecem em conjunto, podem ser um problema para a pessoa ou para quem está perto dela. Então, a psiquiatria classificou, de modo mais ou menos arbitrário, alguns tipos de personalidade problemáticas.
Por exemplo, tem gente que gosta de um padrão de arrumação muito determinado. Contas pagas em dia, sapatos arrumados em ordem, tudo limpo e arrumadinho. É o que a gente chama de anancástico. Talvez você se pergunte aí porque ser tão certinho e organizado seria um problema. Te respondo: porque o mundo é uma zona. Quem quer tudo nos mínimos detalhes está fadado a se decepcionar nessa vida. Sem contar que gente muito perfeccionista acaba por ser uma companhia muito cansativa a longo prazo.
Outro tipo de personalidade que é muito famoso é o antissocial, vulgo psicopata. São tipos que em geral não ligam para o sentimento dos outros, podem ser muito agressivos e tendem a se relacionar de forma parasítica. Podem ser extremamente cruéis, já que não se preocupam muito com regras morais. Muitas vezes tendem a ser entediados, uma vez que também não se emocionam facilmente. A parte mais complicada é que em geral não sofrem. Dificilmente um antissocial vai procurar o médico para se tratar. Mas causam estragos evidentes por onde quer que passem.
Outros tipos, como borderlines ou histriônicos todavia, procuram muito os serviços de saúde. Consequentemente, pensamos: tem tratamento? Tem sim. Apesar de não haver nada específico que mude a personalidade das pessoas, algumas características podem ser atenuadas, como medo, insegurança, impulsividade ou perfeccionismo. Destaco também que além da medicação o trabalho psicoterapêutico é fundamental no sentido de desenvolver ferramentas afetivas e sociais para a pessoa conseguir seguir em frente e viver melhor.
Mas acima de tudo os transtornos de personalidade seguem sendo um grande desafio para nós. Não é fácil definir o diagnóstico em uma ou duas consultas. E para complicar, em geral o quadro vem junto com outros problemas, como depressão e ansiedade. Mas vale a pena tentar., no final, faz toda a diferença.
Sobre o autor
Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.
Sobre o blog
Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.