Precisamos falar sobre o uso de calmantes
Luiz Sperry
17/11/2017 09h49
Imagem: Projetado por Mrsiraphol – Freepik.com
Precisamos falar do diazepam. Quer dizer… Precisamos, não, eu preciso. Vocês falam do que vocês quiserem. Mas eu tenho um problema pessoal com os calmantes em geral, esses nossos queridos benzodiazepínicos. Provavelmente você já tomou ou conhece alguém que toma. São todos aqueles remédios cujo nome termina em "am". Diazepam, clonazepam, bromazepam, lorazepam, alprazolam. E o curioso clordiazepóxido, que é o único que não termina em "am". Todos vêm numa caixa com a famigerada tarja preta.
Como toda droga, se alguém usa é porque deve ser bom. De fato, são medicamentos que têm a capacidade de aliviar a angústia das pessoas de imediato. Um analgésico da alma. Não é à toa que estejam entre os medicamentos mais consumidos no Brasil inteiro. Por outro lado, parece curioso que raramente os pacientes se deem o trabalho de ler o que está escrito na tal tarja preta. Digo já: o abuso desse medicamento pode causar dependência. Isso é uma meia verdade, consequentemente, meia mentira. Mesmo tomando o remédio direitinho, conforme orientado pelo médico, ele pode causar dependência.
Quando falamos de dependência química, imaginamos duas coisas. Primeiro, a tolerância. Precisamos de quantidades cada vez maiores da droga para conseguir o mesmo efeito. Em segundo, abstinência, um estado de inquietação e ansiedade causado pela falta da droga. São fenômenos que se observam facilmente em usuários de sedativos. Mas, curiosamente, essas pessoas não se enxergam como dependentes químicos. Se a gente for comparar, é que nem tomar uma cerveja ou uma cachaça, todo dia, por anos. No começo não afeta muito, mas no final certamente dá para perceber o prejuízo.
Não é raro o dependente de benzodiazepínicos começar a ter uma conduta moralmente duvidosa. Acham a coisa mais normal do mundo comprar remédio sem receita, fazer um mercado negro de troca de comprimidos. Tomar remédio a mais. Ficam sem tomar qualquer remédio, mas os calmantes conseguem com a vizinha, tia, primo ou quem quer que seja.
Ninguém fala muito, mas todo mundo toma. Justiça seja feita, os maiores prescritores de benzodiazepínicos não são os psiquiatras. Clínicos, cirurgiões, ginecologistas, ninguém tem pudor de prescrever. Ou ainda, mais comum, "trocar a receita". É aquilo que eu costumo chamar de "psicopopulismo". É comum médico distribuindo receita azul a rodo por aí com a única intenção de não ser perturbado.
Enquanto isso o pessoal se esgoelando por causa da sibutramina, como se fosse a droga mais perigosa do mundo. Ou mesmo a melatonina, que ficou vinte anos na geladeira da ANVISA para ser liberada. Enquanto o pessoal enche a cara de ansiolíticos por aqui e fica por isso mesmo. Via de regra, não tem nenhuma doença mental cuja tratamento seja com ansiolítico. Até a própria ansiedade, em geral, tem efeitos melhores e mais duradouros se usarmos antidepressivos.
Sem contar, e aí vem parte da minha birra, é que eu me torno um cúmplice. É aquela eterna barganha: "Duas caixas só? Passa três, por favor… Vou ficar meses sem dormir!". Complicado explicar que a dose já está lá no talo, que na verdade o melhor era passar uma caixa só e por aí vai. Ossos do ofício. Que continuem vindo dependentes, vou continuar tirando. Vocês podem não ler a tarja preta, mas podem ter certeza que eu estou de olho.
Sobre o autor
Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.
Sobre o blog
Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.