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Blog do Luiz Sperry

A paquera virtual substitui a angústia do rompimento pela do desencontro

Luiz Sperry

13/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Dizia o Tweet: "uma coisa que nunca consegui entender direito; como é que o homem hétero tranca o Instagram, sai xavecando estranhas e acha que vai comer alguém?". Confesso que quando li isso fiquei um pouco confuso. Perguntei para a autora da postagem se era exatamente isso que ela queria dizer, o lance de "trancar o Instagram", cadeadinho e tal, e ela disse que era isso mesmo. Processei a informação: homem hétero precisa ter Instagram aberto se quiser comer alguém.

Isso vem de encontro com um fenômeno que tenho percebido no meu consultório. Nos últimos anos tem sido muito difícil estabelecer uma relação qualquer à margem das redes sociais. Meus pacientes mais jovens, mas não só eles, têm se queixado cada vez mais que não conseguem conhecer ninguém fora das redes sociais. E quando as pessoas acabam por se conhecer ao vivo o resultado, evidentemente, é muito decepcionante. 

O resultado disso parece ser uma quantidade de gente cada vez mais à margem de um relacionamento afetivo legal. Temos que convir que os novos meios digitais possibilitam uma série de encontros que antes seriam inusitados. Mesmo com os desencontros decorrentes disso, a própria busca já tem um efeito que por si só é benéfico, que é justamente afastar a pessoa da solidão. Mais que as perdas e o sofrimento, é a solidão que realmente faz a gente adoecer. Mas essas novas relações tem algumas peculiaridades que muitas vezes impedem que o romance siga em frente.

As angústias da relação, dos rompimentos e reconciliações são substituídas cada vez mais pelas angústias dos desencontros. O que era para ser um elemento que ia permitir uma quantidade maior de encontros e, consequentemente, de amor, muitas vezes vira fonte de decepções em sequência.

A velha dança do acasalamento, que começava por uma conversa banal do tipo : "oi, vem sempre aqui?" foi substituída por um jogo pós-moderno cheio de nuances ocultas. "Ele adicionou meu Insta, curtiu três fotos, mas quando chamei ele no privado demorou HORAS para me responder. Aí fiquei revoltada, porque vi que ele ficou online VÁRIAS vezes e ainda por cima curtiu o story da minha prima. Dei unfollow na hora!". Pesado.

Não sou tão antigo assim, mas confesso que para quem nasceu nos anos 70 ainda é um pouco estranho que as relações passem tão distantes da linguagem falada. Quando eu pergunto porque ela ficou horas esperando ele responder uma mensagem e não ligou simplesmente para a pessoa para saber se ela estava interessada em fazer alguma coisa o resultado é geralmente algo entre o espanto e a incredulidade. Como se eu tivesse sugerindo que ela cortasse uma orelha e mandasse pelo correio como prova de amor.

Mas mesmo os colegas de labuta não estão livres desse drama do nosso Zeitgeist. Não tem muito tempo uma colega psicanalista, brilhante sob todos os aspectos, com mestrado e tudo, estava se descabelando por conta da falta de qualidade dos homens com os quais tinha se encontrado num aplicativo. Quando sugeri que talvez fosse o caso de tentar encontrar homens de outra maneira, ela virou uma fera:

-E onde tem homem hoje em dia que não no aplicativo?

O engraçado é que antes de existir o aplicativo essa mulher era bastante desenvolta socialmente e nunca se queixou de dificuldade para encontrar quem quer que fosse. Pelo menos para ela, deu certo. Logo encontrou um cara maravilhoso, no aplicativo, namoraram e casaram. Estão esperando seu primeiro filho. Como vocês podem ver, às vezes funciona.

Mas sem dúvida essa realidade impõe novos desafios; em parte para mim, que preciso entender como as pessoas se relacionam. Mas principalmente para vocês leitores, que precisam ir além do Instagram bloqueado para encontrar alguém que valha a pena de verdade.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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