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Blog do Luiz Sperry

O futebol pode ser também uma disputa psicológica

Luiz Sperry

25/06/2018 12h08

Crédito: Getty Images

Depois do jogo contra a Costa Rica, Neymar ajoelhou-se no gramado, sozinho e teve uma crise de choro. Uma parte das pessoas criticou, outra ficou com pena, mas provavelmente todos ficaram um pouco angustiados de ver o grande craque da seleção desabar numa manifestação tão grande de fragilidade. Não é de hoje que nossa seleção sofre dos nervos.

Não precisamos fazer muito esforço para nos lembrar que o Fenômeno teve um piripaque na final da Copa de 98, com efeito sabidamente devastador sobre o elenco. E mais recentes ainda são as lembranças do fatídico 7 a 1, quando o time inteiro estava totalmente desequilibrado desde a hora do hino, cantado aos prantos por boa parte da equipe.

Claro que o desequilíbrio não é exclusividade brasileira. Zidane deu com os cornos no peito de Materazzi na final da Copa, um horror. Todos esses episódios mostram como as situações de tensão se colocam perante nós, mas dizer palavras como pressão, tensão ou estresse não esclarece muita coisa. Quem pressiona o que?

Em princípio, a realidade. Senhora implacável essa, não faz concessão nenhuma a desejo nenhum. Voltemos ao exemplo do Neymar. Machucado em 2014, passou quatro anos jogando em alto nível nos melhores times do mundo. O time do Brasil melhorou e agora tinha tudo para ser o momento de sua consagração, quando ele finalmente entraria no seleto grupo dos melhores do mundo, ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo. Isso na cabeça dele, ou talvez na nossa. Como não sabemos o que vai acontecer no futuro, temos a mania de idealizar e fantasiar as situações.

O problema é que a realidade não está nem aí para os nossos sonhos, nem os do Neymar. Tratou de botar uma fratura no meio do caminho, de modo que o craque chega à Rússia meio avariado. Foi assim com Zico em 86 (e deu errado) ou com Ronaldo em 2002 (e deu certo). Poderia ser pior, tendo em vista que outros nem chance de recuperação tiveram. Mas o que faz com que alguns surtem frente à pressão e outros consigam superar?

Depende logicamente da constituição psíquica de cada um. Quem consegue bater um pênalti na frente de milhões, eventualmente bilhões de pessoas? Ninguém, o único jeito é você conseguir anular por um momento a existência da massa e chutar como se não houvesse ninguém além de você e o goleiro. A esse fenômeno chamamos dissociação.

Existe também a questão do quanto da cobrança somos capazes de absorver. A cobrança externa pode ser monstruosa, mas o que quebra a gente é a cobrança interna. Atletas de alto nível tendem a se cobrar muito em relação à performance. E não tem mais espaço para atletas meio boêmios como havia até um passado recente. Messi e Cristiano têm um nível de dedicação fenomenal sustentado há mais de dez anos, coisa que talvez só Pelé tenha conseguido por tanto tempo. Essa mesma instância, que nos faz persistir em busca da perfeição, pode se revoltar em caso de falha e passar a nos atacar. Toda a energia que o momento concentra pode então se converter em desespero.

Apesar de considerarmos os eventos esportivos como disputas de habilidades físicas, eles muitas vezes são disputas de capacidades mentais. E nessa competição acho que saímos um pouco para trás.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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