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Blog do Luiz Sperry

Pais querem que os filhos sejam gênios, mas não sabem a implicação disso

Luiz Sperry

11/12/2017 04h00

Crédito: iStock

Às vezes, acontece de aparecer no consultório algumas famílias. Geralmente, é para resolver o problema da criança, uma suspeita de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ou algum desacerto emocional. Até aí tudo bem, nada de novo. Mas, às vezes, os pais trazem o filho para avaliar alguma habilidade excepcional que a criança possa ter. Querem, muitas vezes, saber como otimizar esse suposto gênio, exaltando as habilidades do pimpolho –artísticas, físicas ou linguísticas.

Não é um comportamento propriamente novo. Não é de hoje que os pais projetam nos filhos seus desejos e forçam a mão nas crianças. Nunca vi alguma criança que me chegasse nessas condições e que, de fato, fosse impressionante. Mas sempre os pais são bastante ansiosos e ficam muito chateados, conforme vamos desconstruindo essa ideia de que o filho seja brilhante.

Existem crianças que realmente são geniais. Está por toda parte a história do João Paulo Barrera, o menino de sete anos que ganhou um concurso da Nasa e faz programação de software. Certamente, é muito impressionante. Mas não precisamos ir muito longe para imaginar que uma situação dessas pode acarretar em diversos problemas.

Como é que a criança vai desenvolver seu lado afetivo, as relações e amizades, se está ligada a uma realidade tão diferente de todas as outras da mesma idade? Não é uma relação direta, mas pessoas com inteligência muito alta estão predispostas a ter mais problemas de saúde mental.

Quase sempre, os pais dessas crianças chegam com diversas baterias de testagem neuropsicológica. Para quem não está familiarizado com o termo, explico. São diversos testes que avaliam as capacidades mentais da pessoa. O famoso "teste de QI" é um tipo. Mas outras habilidades como atenção, memória e capacidade de abstração também podem ser avaliadas.Esses testes, algumas vezes, indicam alguma capacidade aumentada do filho. O que isso quer dizer? Em geral, nada. Ser bom de bola não quer dizer que você é o Neymar. Tento contemporizar: "Que bom que o teste deu isso, mas…". Muitas vezes, os pais se mantêm irredutíveis, querendo dar sequência ao projeto (deles) de ter um filho-gênio.

Eu, pessoalmente, acho que a inteligência é uma característica supervalorizada hoje em dia. Em geral, as pessoas associam um nível alto de inteligência a uma capacidade de superar todos os problemas da vida e manter o sofrimento longe. Isso não é verdade. E, às vezes, no ímpeto de querer que o filho esteja protegido das mazelas da vida, os pais acabam expondo a criança a pressões e cobranças absolutamente desnecessárias. Porque pensando bem, o mundo é dos médios.

Em alguns momentos, tenho que apelar para táticas um pouco mais criativas. Uma vez um pai me mostrava os desenhos do filho, que, de fato, eram bons, mas definitivamente o menino não era o Basquiat. Tentava explicar que era apenas uma habilidade, não necessariamente um destino. Olhei para ele e respondi, sério:

– Olha o que eu sei fazer.

E, lentamente, fiz aquele truque de mágica, manjadíssimo, de tirar fora o polegar. O pai ficou surpreso e, depois de alguns segundos, caiu na gargalhada. A mágica fez com que ele, finalmente, deixasse o filho em paz.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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