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Blog do Luiz Sperry

Psicólogos americanos têm psicoterapia para unir o país: funcionaria aqui?

Luiz Sperry

27/04/2020 04h00

Crédito: iStock

Os americanos sempre me surpreenderam. Às vezes para o bem, às vezes para o mal, mas sempre com um senso de pragmatismo sem igual. Nada acontece por lá sem antes ter um sentido prático muito evidente: para que que serve? Quando começa? Quando termina? Claro que a psicologia na América não deixaria de ser diferente.

Freud achava que o futuro da psicanálise era nos EUA. Foi lá, em 1909, que proferiu uma série de conferências que deram origem às "Cinco Lições de Psicanálise", uma síntese maravilhosa de sua teoria até então. A psicanálise foi assimilada, mas acabou também por ser americanizada. Ao contrário do rigor dos europeus, e posteriormente sul-americanos, controlados com mão de ferro pela IPA (Associação Psicanalítica Internacional), lá a psicanálise acabou por sofrer diversas influências mais condizentes com a ética americana.

Floresceu então nas últimas décadas linhas de psicoterapia mais adequada a esse funcionamento, que são as terapias cognitivas e comportamentais. É impressionante como eles adaptaram seus procedimentos a quase tudo. Assim que surge uma nova classificação ou doença, logo vem uma nova terapia específica para ela: terapia dialética comportamental (para borderlines), método de Minnesota (para dependência química), terapia ABA (para autismo) e por aí vai. 

Pois bem, não contentes em ter uma terapia para cada doença, eis que surge agora uma terapia para…unir o país! Isso mesmo: terapeutas da Universidade de Minnesota (coincidência?) utilizaram princípios de terapia familiar para tentar unir um país profundamente dividido politicamente. Criaram um grupo chamado Braver Angels, que promove workshops e debates entre pessoas de esquerda e direita. Os tais anjos presentes no nome (inicialmente o nome era Better Angels), vêm de um trecho de um discurso de Abraham Lincoln da época da Guerra Civil, onde pedia que ouvíssemos os "melhores anjos de nossa natureza". Pois é.

Hoje em dia acredito que o Brasil esteja um tanto mais dividido que os EUA politicamente, e fico imaginando se as pessoas teriam disposição para uma terapia dessa natureza. O foco do processo desenvolvido pelos Angels é num ponto chamado de receptividade de diálogo. Por exemplo, num exercício chamado de Aquário, eles botam um grupo sentado em roda discutindo e seus antípodas numa outra roda externa, tendo que escutar os outros respondendo questões,  sem interferir. É um treino para as pessoas conseguirem escutar as outras. Como tenho falado, ninguém quer escutar ninguém. Como num processo infeccioso, já criamos tantos anticorpos contra o discurso dos adversários que, ao menor sinal de antagonismo, somos tomados de uma resposta inflamatória bastante violenta.

Fico curioso para saber como seria por aqui, porque para entrar numa terapia, qualquer terapia, a gente tem que ter algum desejo de mudança. Não vejo muita gente, inclusive não me vejo, sob muitos aspectos, disposto a estender a mão para o outro lado. Sou terapeuta, e técnica é técnica. Sou pago regiamente para ouvir as pessoas, das mais variadas orientações políticas, falarem de suas angústias e questões. Acredito que, cada um com sua motivação, todos são capazes de suportar o processo.

Outra coisa fundamental é o final da quarentena. De longe somos todos piores. Pelas redes sociais então, ficamos cada vez mais boçais. Estamos aprendendo aos poucos que muitas coisas podem acontecer à distância, mas alguns processos têm que rolar ao vivo. Tenho me virado do jeito que dá com vídeo e fone, mas confesso que estou morrendo de saudade da poltrona e do divã. Vamos ver ver se até lá não me animo para montar um grupo para conciliar olavistas e petistas. Sonhar não custa nada.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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