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Blog do Luiz Sperry

Psicanálise serve para quê? Método investiga o inconsciente

Luiz Sperry

14/10/2019 04h00

Crédito: iStock

Para quem tem um olhar atento, não é difícil perceber dentro dos meios psicanalíticos libelos e manifestos "em defesa da psicanálise" ou ainda "a resistência da psicanálise" contra sabe-se lá o que a possa estar atacando. Alguns são muito bem elaborados, como as colocações da sempre afiada Elisabeth Roudinesco. Outros, nem tanto. Mas, utilizando as palavras dela mesma, para que a psicanálise?

Bem, já me foi pedido inúmeras vezes um post que falasse de todas as psicoterapias e suas principais diferenças. Estou escrevendo nesse espaço há dois anos já e ainda não fiz a tal postagem, entre os motivos porque não me sinto confortável para escrever de outras linhas de psicoterapêuticas que não a psicanalítica. Eventualmente sou criticado, com muita razão, por não fazer o devido alarde sobre as maravilhas do behaviorismo ou outro método terapêutico qualquer. De fato, não é minha especialidade e se não comento é mais por ignorância que por maldade.

Pairam sobre a psicanálise críticas em várias frentes. Suas hipóteses não seriam comprováveis. Seus modelos não podem ser amplamente replicados. Seus efeitos não são suficientemente objetivos. E são críticas fundamentadas. Mas a vantagem maior do método psicanalítico é propor um método de investigação único de algo que é fundamental no funcionamento humano, que é o inconsciente.

O inconsciente está presente em nossas vidas o tempo todo. Somos fortemente influenciados por questões inconscientes nas nossas decisões, desde as mais corriqueiras até as mais solenes. E essas questões, por serem em princípio inconscientes, obviamente nos escapam numa leitura mais superficial. 

Mas a psicanálise se desenvolveu em torno justamente de como encontrar os traços sutis do inconsciente nas pegadas daquilo que percebemos, ou seja, o consciente. O inconsciente se manifesta, ele chega a gritar. Ele aparece nos sonhos mais bizarros, ele aparece na doença mental e seus sintomas, ele aparece nos hábitos repetitivos. Pode surgir também no senso de humor e nos curiosos atos falhos, quando a gente troca uma palavra e entrega o pensamento que queria esconder.

A investigação não para por aí; ela avança e recua no tempo, coisas que considerávamos esquecidas muitas vezes ressurgem de outra forma e adquirem um novo significado. Daí sem dúvida que surge aquela figura caricata do analista que fala ao paciente: "Conte-me da sua infância". Na verdade ele não precisa falar isso; se estiver atento, vai perceber que a infância sempre teima em aparecer no processo de análise. Ou em alguns casos, teima em ser escondida.

O inconsciente aparece inclusive nas relações, com pai, mãe, namorado e claro, analista. Ninguém é poupado. Sabe aquela mania de se relacionar sempre com o mesmo tipo de pessoa? Então, é o inconsciente operando, procurando algo sem saber exatamente o quê. 

Mesmo assim, é um método incerto, errático, trabalhoso, demasiadamente humano, enfim. 

A leitura psicanalítica cabe inclusive fora do ambiente de consultório. Podemos fazer leituras psicanalíticas da sociedade, das outras ciências, de praticamente tudo.

Numa época em que tudo que é ciência humana vem sofrendo ataques e sendo sistematicamente desvalorizado, não é de se estranhar que essa área peculiar, pendurada entre as ciências humanas e a clínica médica, venha a ser questionada duramente. Em sua defesa podemos dizer que o que ela faz ninguém mais faz. Se existe um método de investigação do inconsciente ou é psicanálise ou é derivado dela.

E não, não vou escrever sobre todos os métodos terapêuticos.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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