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Blog do Luiz Sperry

Serotonina é famosa por trazer bem-estar, mas também possui outras funções

Luiz Sperry

23/09/2019 04h00

via GIPHY

Existe uma imagem, muito popular na internet, que mostra o que seria uma vesícula cheia de serotonina sendo carregada através do neurônio por uma proteína transportadora. Não sei se de fato a imagem original de fato tem essa finalidade, mas a imagem da proteína transportadora de serotonina é chamada de "a imagem da felicidade".

Em geral a gente, quando pensa em neurotransmissores, tende a relacionar cada um a um tipo de função que ele exerce no cérebro. Isso nos leva a algumas distorções, pois não é bem assim que a coisa funciona. Existem muitos neurotransmissores, que são em geral moléculas que servem para os diferentes neurônios se comunicarem entre si. Nós temos bilhões de neurônios que fazem trilhões de conexões entre si. Ou seja, não é um exagero você imaginar que as relações dos neurônios no cérebro sejam tão complexas quanto todas as relações humanas no mundo em que vivemos.

Dada essa complexidade imensa, conseguimos ter acesso a apenas uma parte desse funcionamento e é virtualmente impossível mapear todos neurônios e cada conexão que eles fazem. Provavelmente nosso conhecimento sobre o assunto está mais próximo do tosco que do avançado na maior parte das áreas neuropsíquicas.

Mas após meio século de desenvolvimento intenso das neurociências, algumas funções dos neurotransmissores estão bem estabelecidas. A serotonina é um transmissor importantíssimo na regulação do humor e do afeto, assim como a noradrenalina é fundamental em respostas primitivas de luta ou fuga e outras funções vitais. Não é de se surpreender que o cérebro de cães selvagens apresentem um predomínio de vias adrenérgicas, enquanto cães domésticos, praticamente idênticos geneticamente, tenham um predomínio relativo de vias serotoninérgicas.

Já a dopamina está mais relacionada a estados de euforia e de prazer, ao chamado ciclo de prazer-recompensa. Isso é um conhecimento que se deve em parte ao fato de muitas drogas de abuso que conhecemos serem drogas com efeito dopaminérgico, como cocaína, MDMA, metanfetamina e afins. As medicações para o TDAH, tão em voga hoje em dia, também são dopaminérgicas.

Só que a dopamina também é o neurotransmissor ligado a certos tipo de movimento, assim como à produção de prolactina e consequentemente, leite materno. Assim como a serotonina pode estar ligada à digestão e às funções sexuais. De modo que medicações antipsicóticas, que são bloqueadoras dopaminérgicas, podem causar tremores e surgimento de leite; medicações antidepressivas, que são serotoninérgicas, podem causar vômitos ou disfunção sexual.

Freud dizia nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, que o objeto do desejo sexual não é pré-determinado e sim variável. É assim também a função de um neurotransmissor. Por mais que em determinado lugar ele sirva para determinada função, nada impede que em outro local ele tenha outra função, ou mesmo uma função inversa à função original.

Ou seja, os neurotransmissores não estão ligados a uma função cerebral fixa; eles estão ligados a várias funções diferentes em diferentes lugares, são como um tipo de língua. Você pode pensar no português como "a Língua de Camões" ou no latim como a língua das sagradas escrituras. Mas o português serve para várias coisas que não os versos, assim como o latim serve para várias coisas que não a Bíblia. Bem, na verdade nem tanta coisa assim, mas já serviu em outros tempos, não?

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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