Por que a sensação de segurança é difícil de se conquistar?
Temos observado em tempos recentes uma certa subversão de valores. Terra plana, nazismo de esquerda e outras bizarrices cognitivas abundam no imaginário popular. Mesmo assim, não foi sem surpresa que escutei dia desses no rádio o slogan de uma empresa de alarmes, que dizia algo como: "porque sentir-se seguro é um direito humano para nós". Claro que não é de hoje que o conceito de direitos humanos vem sendo distorcido, mas fiquei tentando enxergar um pouco além do óbvio.
Muito séria essa questão da segurança. Não estou dizendo especificamente a segurança pública no Brasil, que é evidentemente um país violento e injusto. Estou pensando na sensação de segurança subjetiva para as pessoas, no tal do "sentir-se seguro". Porque fora do Brasil, vejam vocês, as pessoas também não se sentem seguras. Nos EUA por exemplo, tem uma quantidade enorme de gente que só fica segura se estiver armada até os dentes com armamento de guerra. Na Europa, muitos só ficariam seguros se soubessem que as fronteiras estão fechadas e a "ameaça islâmica" afastada para sempre.
Mas nem sempre a ameaça é externa. Tomemos o exemplo de um hipocondríaco. A ameaça vem de dentro, dos órgãos e sistemas entrarem todos em colapso. E tantas outras neuroses do dia a dia, como o transtorno do pânico por exemplo, que acomete tantas pessoas. Muitas delas não conseguem sair de casa sozinhas, com medo de ter a crise e não haver ninguém para lhes prestar socorro. O doente do pânico pode ficar paralisado de medo, antecipando uma nova crise que pode explodir.
Numa crônica brilhante, Antônio Prata resumiu bem a questão há alguns anos. Bom mesmo, só quando a gente está dentro da barriga da mãe, ligados a ela pelo cordão umbilical, "aquele cabo USB onde fazíamos, em banda larga, o download da felicidade". Depois que a gente nasce a nossa vida não passa de "conexão discada, wi-fi mequetrefe, e em vão nos arrastamos por aí, atrás daquela impossível proto-conexão."
Não sei se o Prata já ouviu falar de Otto Rank, o psicanalista louco e brilhante que escreveu "O Trauma do Nascimento". Rank defendia justamente que o trauma do parto seria a origem de todas as nossas angústias e que, de certa forma, passávamos uma grande parte da nossa vida tentando superar narcisicamente esse trauma. Discípulo próximo de Freud, acabou por romper com o mestre se mudando para os EUA, onde seguiu sua carreira mesmo perseguido pelo pai da psicanálise, que não era afeito a dissidências.
Porque em última instância, como diz um amigo sábio, estamos todos na corda bamba. O que vamos fazendo, na vida ou na análise, é construir alguma fantasia que nos permita dar sentido e suportar tanta incerteza. E assim, de um jeito ou de outro, criamos coragem. Sentir-se seguro não é um direito humano; é uma conquista árdua e trabalhosa que vai muito além de alarmes ou pistolas.
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