Tem medo do remédio te deixar dopado? Veja a nova geração dos psicotrópicos
Quando falo de psicofarmacologia acabo por ter sentimentos ambíguos. Por um lado fico maravilhado com a sofisticação da nossa atividade neuropsíquica, como os neurônios se comunicam e conversam através de muitas e misteriosas substâncias para dar a nós o sentido daquilo que chamamos emoção. Por outro lado, fico também um pouco desalentado quando percebo que após anos de pesquisa e bilhões de dólares gastos, conseguimos avanços tão tímidos no tratamento das principais doenças.
O desenvolvimento dos antidepressivos parece ter chegado a um beco sem saída. Desde a tão falada "Era do Prozac", que já completa 30 anos, não apareceu nada de novo no assunto. Medicações lançadas com grande estardalhaço, como a vortioxetina, trazem alguns aspectos interessantes, mas acabam por ter funcionamento e eficácia semelhantes aos antidepressivos da geração anterior (a um preço evidentemente bem maior).
Por outro lado um ramo da psicofarmacologia que se desenvolveu de modo mais interessante foi o dos antipsicóticos. Antigamente havia apenas os antipsicóticos que hoje chamamos de primeira geração. Medicações como a clorpromazina, primeiro psicofármaco da história, sintetizado no início dos anos 50, ou o emblemático haloperidol, foram revolucionárias, no sentido em que possibilitaram o tratamento de quadros gravíssimos antes impermeáveis aos tratamentos existentes.
Só que a velha guarda dos antipsicóticos também trazia consigo alguns efeitos adversos bastante significativos, como sedação importante. Não é somente por isso, mas também por isso, que até hoje uma ressalva que os pacientes fazem no início de qualquer tratamento é: por favor, não me faça ficar dopado. Além da sedação, era bastante frequente que essas medicações causassem distúrbios do movimento, semelhantes à doença de Parkinson.
Esses efeitos adversos forçaram a indústria a buscar novas alternativas no tratamento das psicoses. Foi então que surgiram os antipsicóticos de segunda geração, também chamados de atípicos, que tem um mecanismo de ação diferente dos seus antecessores, evitando esse tipo de sensação.
O primeiro deles foi desenvolvido lá nos anos 1970 ainda, a clozapina. Era fantástica, mas podia causar, em 1% dos casos, uma alteração significativa nos glóbulos brancos que poderia ser fatal. Isso fez com que a clozapina fosse deixada meio de lado e fossem buscadas novas alternativas mais seguras. Foram surgindo então medicações como risperidona, olanzapina, quetiapina e aripiprazol, às quais se juntaram mais recentemente a paliperidona e a lurasidona, entre outras. São medicações muito mais seguras e eficientes que as da geração anterior, tendo se tornado referência no tratamento das psicoses e muitos transtornos de humor, em especial o transtorno bipolar.
Apesar de serem medicações ainda bastante caras, são distribuídas em diversas cidades pelo SUS, o que permite que uma grande quantidade de pacientes possam ter acesso ao melhor tratamento. Mas creio que o mais interessante dessas medicações é que seu efeito não se restringe ao tratamento das psicoses. São muito utilizadas em casos de depressão, geralmente depressão bipolar, mas também em depressão unipolar, junto com antidepressivos. Esse efeito se deve à capacidade dos atípicos de atuar não somente em receptores de dopamina, como os antipsicóticos em geral, mas também nos famosos receptores de serotonina, de modo semelhante aos antidepressivos. O efeito é muitas vezes surpreendente.
Por último fiquei a pensar se o termo "dopar" tinha algo a ver com dopamina. Não tem. Dopar segundo o Oxford Dictionaries, deriva da palavra holandesa doop, que significa um tipo de xarope, neste caso um preparado gosmento utilizado pelos fumadores de ópio do século XIX. Curioso que tenhamos em português a palavra xarope, como ideia, pejorativa, para alguém que sofra de transtornos mentais.
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