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Blog do Luiz Sperry

O que é a perturbadora Síndrome de Münchhausen?

Luiz Sperry

26/03/2018 11h28

Crédito: iStock

Existem doenças e doenças. Com grande parte delas, muitas vezes conseguimos empatizar. Frente a um paciente com depressão ou pânico, por exemplo, conseguimos imaginar como seria estar no lugar dele e sofrer o que ele sofre. Em outros casos, como nas psicoses, esse caminho á mais longo, mas ainda possível. Talvez a doença mental que seja mais difícil de a gente conseguir entender o que se passa na cabeça dos pacientes seja o que chamamos de transtorno factício.

O transtorno factício, eventualmente, é chamado também pelo nome de Síndrome de Münchhausen, que obviamente soa muito mais poético.

Para quem não se lembra, o Barão de Münchhausen é um personagem histórico sobre o qual se atribuem contos fantásticos que relatam suas aventuras. A graça da narrativa consiste justamente no relato de fatos impossíveis, como se fossem verdades absolutas. Na Síndrome de Münchhausen, ocorre algo semelhante. O paciente conta aos médicos fatos que simplesmente não existiram.

Daí o nome de transtorno factício, que quer dizer, fabricado artificialmente. Tanto a história pode ser inventada quanto os próprios sintomas podem ser criados artificialmente. Por exemplo, o paciente pode tomar uma grande quantidade de insulina e chegar ao pronto-socorro com uma crise de hipoglicemia. Ou causar sangramentos em si mesmo e chegar com uma anemia misteriosa.

Como os médicos tendem a tomar como verdade aquilo que os pacientes contam, acabam por ser induzidos ao erro e tomar condutas inadequadas.

Parte do sentido da doença está de fato nisso, em conseguir enganar o médico e os serviços de saúde em geral, num tipo de jogo perverso e, muitas vezes, perigoso. Não é incomum pacientes terem que ser submetidos a cirurgias e outros procedimentos de risco. Esse flerte com o perigo, com o risco iminente, parece ser também uma face dessa doença.

Como os casos não se resolvem, apesar das inúmeras intervenções realizadas, acabam por despertar grande compaixão de familiares e, muitas vezes, de estranhos.

Grande parte do sentido do transtorno factício está justamente nisso, em poder experimentar através da doença, uma atenção e um cuidado que nunca existiu na saúde.

Como era de se esperar, o diagnóstico é muito difícil. A medicina hoje se faz de forma muito fragmentada, com diversos especialistas atuando em paralelo sem conversar entre si. É um prato cheio para os factícios exercerem seus sintomas. A longo prazo, no entanto, muitas das inconsistências da história vão ficando evidentes e os casos aparecem.

O que nos leva a um segundo problema: como tratar? Os estudos sistemáticos com esses pacientes não demonstram eficiência de tratamento, nem com medicação, nem mesmo com terapia. Mas sem dúvida o esclarecimento diagnóstico e o seguimento por um médico especializado pode evitar intervenções agressivas e potencialmente perigosas. Certamente ainda temos muito a aprender sobre esses casos tão difíceis e sem dúvida, fascinantes.

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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