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Blog do Luiz Sperry

Por que tantas pessoas se encantam com a ideia de ter uma arma de fogo?

Luiz Sperry

12/10/2017 04h00

Foto: Flávio Florido/Folha Imagem

O filme "O Senhor das Armas", de 2005, começa com uma frase canalha e genial:

"Uma em cada doze pessoas no mundo tem armas de fogo. A questão é: como chegamos às outras onze?"

Bem, no que se refere aos EUA, eles já chegaram. São nove armas de fogo para cada dez americanos. A chamada Segunda Emenda, criada para permitir a formação de milícias na época da independência, resiste até hoje. Os americanos sempre vislumbraram um inimigo externo contra o qual lutar. Primeiro eram os ingleses, depois espanhóis, mexicanos, japoneses, comunistas, vietnamitas, e agora, os terroristas islâmicos.

Aqui no Brasil, nunca tivemos muitos inimigos externos. O máximo que conseguimos conceber é uma rivalidade futebolística com a Argentina, que quase sempre se resolve dentro das quatro linhas do gramado. O nosso inimigo sempre foi muito mais interno do que externo. Também não temos essa cultura de armas de fogo. Aqui são 0,8 armas para cada dez habitantes, o que nos coloca bem próximos da média mundial. Mas se compararmos a mortalidade por arma de fogo temos 20 mortes para cada 100.000 habitantes contra 5 mortes para cada 100.000 habitantes nos EUA. Ou seja: não é a quantidade de armas que, sozinha, define o grau de violência ao qual uma sociedade está exposta.

Posto isso, me afasto um pouco da análise social e adentro um pouco a análise psicológica das armas. Por que tantas pessoas se encantam com as armas? Por que tantas pessoas desejam armas? Por que tantas pessoas precisam de armas? Penso comigo mesmo que as armas são encantadoras. Existe um certo encanto em poder estraçalhar algo ou alguém a metros, ou mesmo centenas de metros de distância. Todos nós temos gravadas na mente, mais ou menos conscientemente, cenas que associam as armas a situações de heroísmo e bravura. Ter uma arma, e eventualmente atirar, não deixa de ter em parte essa característica lúdica e brincante ligada à fantasia.

Mas se você perguntar a alguém que tenha uma, ou mesmo muitas armas, o motivo disso, a grande maioria vai responder: segurança. Pode parecer meio óbvio, mas em geral as pessoas não compram armas para sair atirando umas nas outras. Todo mundo tem medo de alguma coisa ou de outra, portanto, um portador de armas talvez seja um pouco mais medroso apenas do que a população em geral.

A má notícia é que a posse de uma arma de fogo não deixa ninguém mais seguro. Assim como tem um monte de gente que come porque porque é ansioso e continua ansioso, além de gordo, um inseguro com uma arma de fogo é apenas um inseguro armado. Fosse essa a solução estaria eu aqui distribuindo pistolas e espingardas aos meus pacientes, e não orientando terapia ou medicação.

Notadamente as questões das armas estão ligadas ao universo masculino. Pode reparar, quase sempre são os homens que matam e os homens que morrem. E sob esse ponto de vista, impossível não notar o quanto uma arma de fogo lembra um pinto. Um pinto de ferro, que nunca falha, um pinto de segurança.

Quando escutamos marmanjos choramingando: "Eles querem tirar nossas armas!", não podemos deixar de pensar em garotos pequenos assustados com medo que um bicho-papão imaginário lhes arranque os pintinhos.

Complicado isso tudo num país, e num mundo, onde a sensação de insegurança é cada vez maior. Um mundo onde os homens sentem-se cada vez mais ameaçados pelas demandas crescentes dos direitos das mulheres, onde a tolerância para com o outro é cada vez menor. Imagino um Brasil com uma arma por habitante como nos EUA. Praticamente um Mad Max tupiniquim. Fazendo um raciocínio inverso ao Senhor das armas me pergunto: como chegar nesse monte de gente e botá-los no divã?

Sobre o autor

Luiz Sperry é médico psiquiatra formado pela USP em 2003. Adora a cidade de São Paulo, onde nasceu e cresceu. Já trabalhou nos 4 cantos dela, inclusive plantão em pronto-socorro (tipo ER mesmo), Unidade Básica, HC, Emílio Ribas, hospícios e hospitais gerais. Foi professor de psicopatologia na Faculdade Paulista de Serviço Social e hoje em dia trabalha em consultório e supervisiona residentes do HC.

Sobre o blog

Um espaço para falar das coisas psi em interface com o que acontece no dia a dia, trazendo temas da atualidade sem ser bitolado.

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