Maioria das pessoas vai ter um transtorno mental ao longo da vida
O DSM 5, manual de diagnósticos da Associação Psiquiátrica Americana, define ao menos 150 tipos diferentes de doenças mentais. Contando as especificações, o número salta para algo em torno de 600 quadros clínicos. Chamado erroneamente de "Bíblia da Psiquiatria", na verdade é um dicionário, com fins estatísticos e de pesquisa, não sendo um manual clínico de fato. Mas tomando-se esses critérios ao pé da letra, chegamos à conclusão de que a maior parte das pessoas vai ter um transtorno mental ao longo da vida. E tal qual na Itaguaí de Simão Bacamarte, parece que todos nós temos um lugar dentro da Casa Verde.
Sou médico, psiquiatra e psicanalista. Muitas vezes trato de gente doente, doente mesmo. Psicoses, depressões suicidas, dependência química, crises de pânico paralisantes. As pessoas chegam com uma demanda definida, uma dor evidente. Nesse aspecto, meu trabalho se assemelha muito ao de um psiquiatra do século passado. Com o desenvolvimento científico das últimas décadas, que nos deu algumas opções interessantes de medicação, conseguimos aniquilar alguns sintomas de forma surpreendente. Evidentemente não se trata da "pílula da felicidade", mito um pouco desgastado, mas ainda presente em alguns discursos. Mas, sem dúvida, as medicações psiquiátricas têm uma função importante e não é à toa que uma parte imensa da população as consome.
Trato também de gente com outros tipos de problemas. Pessoas que não estão enlouquecidas, que acordam, trabalham, até dormem, mas sofrem como o diabo. Gente que perdeu filho, gente que não aguenta o chefe, gente que não aguenta o marido. Gente que ama o marido, mas não se sente amada de volta, gente que perdeu o emprego, gente que ainda tem emprego, mas não consegue mais botar os pés lá. Gente que não suporta outro tipo de gente e gente que não suporta mais a mesmice das pessoas. Gente que não suporta a solidão.
Nesse caso ficamos mais desamparados. Porque sob certo aspecto, sofremos da nossa própria vida, da nossa própria existência. E não é menos importante o fato de que a vida de hoje é diferente da vida de qualquer outra época que já existiu. Os problemas são diferentes e a mudança é tão radical que ainda não dá tempo de ser sintetizada nos livros. Aliás, os próprios livros se tornaram obsoletos, ao menos em várias áreas da ciência.
Somos convocados então a construir um novo caminho. A ouvir novos desejos e a reconhecer novas realidades. A trilhar um caminho de incertezas, mas um caminho possível. A ter a ousadia de errar. Errar de novo. Errar diferente. Errar melhor.
Acho que minha intenção aqui é falar um pouco disso. Criar reflexões, para que possamos pensar para onde estamos indo, e por quê. Nunca se falou tanto de psiquiatria como se fala atualmente, mas todo dia encontro gente profundamente equivocada sobre como gerir a própria saúde emocional. Estamos adoecendo de doenças antigas e de novas doenças, mas muitas vezes nem nos damos conta disso.
E como no livro de Machado de Assis, cabe a pergunta: estando todos nós, de fato, perturbados, não seria o caso de botar todo mundo do lado de fora e o psiquiatra do lado de dentro do hospício?
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